Enigmas do Universo: por que radiotelescópio enorme será construído na cidade de Aguiar na PB?
Nos rincões da Paraíba, na cidade de Aguiar, na região do Vale do Piancó, um radiotelescópio enorme será construído para ajudar a humanidade a desvendar alguns mistérios do Universo, como a energia escura e a origem de tudo.
Chamado Bingo (abreviatura para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations, ou Oscilações Acústicas de Bárions em Observações de Gases Neutros), o instrumento representará um grande avanço astronômico nacional e internacional.
Construído por um consórcio de entidades brasileiras e estrangeiras, o radiotelescópio deverá detectar e analisar rastros de hidrogênio neutro (a combinação de um elétron e um próton) no Universo. Por trás disso, está a ideia de entender elementos que ainda intrigam cientistas, como a energia escura.
O que é esse tal de radiotelescópio
O radiotelescópio é composto de duas antenas parabólicas:
uma de 40 metros e outra de 34 metros de diâmetro. As duas, juntas, ocupam uma
área maior do que meio campo de futebol. Elas são ligadas a receptores que são
espécies de "cornetas" — como se fossem receptores de TV por satélite,
mas com mais de quatro metros de comprimento.
A construção é financiada em maior parte pela Fapesp
(Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) e, por isso, o projeto
até o momento não foi tão afetado pelos cortes do governo federal na ciência
nacional. O projeto começou em 2016, e a previsão é que o radiotelescópio entre
em operação em 2022, tendo a construção iniciada em 2020. O projeto conta com a
participação de empresas de São José dos Campos (SP) ligadas ao projeto
espacial brasileiro. Essas empresas atuarão na construção do aparelho, mas ele
contará também com tecnologias de fora do país. Cientistas de universidades e
entidades de pesquisa do Brasil (como Inpe, UFCG e USP) lideram a iniciativa,
mas há cooperação de instituições do Reino Unido, China, Suíça e África do Sul,
entre outros países.
"A concepção original do projeto é inglesa, os
amplificadores são ingleses e uma boa parte do software foi desenvolvida em
Manchester e agora estamos atualizando. A equipe de Zurique contribuiu com uma
parte que vai fazer uma decomposição espectral do sinal, que é crítica. Da
África do Sul vem software de análise de dados. A China contribuiu com mais ou
menos R$ 1 milhão em componentes eletrônicos que precisaríamos comprar e não vamos
precisar importar mais", explica Wuensche.
Apesar da ajuda externa, a construção da estrutura, dos
receptores e das antenas parabólicas são de responsabilidade da equipe
brasileira —da mesma forma que os testes e a operação do radiotelescópio.
Entendendo mais o Universo
A função do radiotelescópio será aprofundar a investigação
envolvendo a energia escura que compõe o Universo. Esse tipo de energia é ainda
uma hipótese e estaria distribuída por todo o Espaço, sendo responsável também
pela aceleração da expansão do Universo. Mas como um radiotelescópio localizado
na Paraíba pode atuar para esse mistério ser resolvido?
Bem simples (ou quase): ele vai realizar as tais
"tomografias" do Universo, em que serão analisados traços de
hidrogênio neutro (quando o núcleo de hidrogênio está acompanhado de um
elétron), o elemento mais comum no Universo. A intenção é identificar
oscilações específicas na matéria, chamadas oscilações de bárions. Suas
características refletem propriedades que o Universo tinha quando era ainda muito
jovem.
"Quando o hidrogênio está neutro, o elétron pode estar
com o 'spin' [uma propriedade física] alinhado com o átomo do hidrogênio, ou
pode estar com o 'spin' ao contrário. Ao mudar esse alinhamento, ele emite uma
radiação na frequência de 1.420 megahertz. A frequência produzida é sempre a
mesma, mas a expansão do Universo faz com que, quanto mais longe estiver o
hidrogênio, mais baixa será a frequência medida por nós na Terra. Selecionamos
uma faixa que permitirá medir o hidrogênio em diferentes épocas do
Universo", explica o pesquisador do Inpe.
O radiotelescópio brasileiro não será um dos maiores do
tipo. Um equipamento chinês tem 500 metros de diâmetro e investiga o Universo
quando ele tinha cerca de 2% de sua idade atual, além de detectar ondas
gravitacionais e caçar sinais que podem ter sido produzidos por civilizações
alienígenas. O diferencial do brasileiro está no seu propósito.
"A escolha de outros do tipo foi medir o Universo mais
longe. A nossa escolha foi medir o Universo mais perto de nós. Aí vamos poder
comparar com os outros porque são épocas diferentes e vemos se e como a física
muda. Não tem nenhum instrumento hoje trabalhando nessa frequência. Vão usar o
nosso como referência de como o hidrogênio se comporta da metade da idade do
Universo para mais perto de nós e vice-versa", diz Wuensche.
"Se a gente olhar como era antes da energia escura
dominar, que são os resultados dos outros instrumentos, e olhar depois com o
Bingo, dá para fazer comparações e colocar parâmetros na energia escura, ver
como funciona, entender as origens", complementa o pesquisador. Em um
primeiro momento, os dados serão propriedade da cooperação internacional até a
publicação dos resultados científicos. Aí, então, os dados do radiotelescópio
poderão ser liberados para a comunidade interessada no Brasil e no mundo.
No meio do "nada"
A localização escolhida para o radiotelescópio pode parecer
curiosa e sem sentido para muitos, mas tem explicação. Os pesquisadores fizeram
um mapeamento de 15 regiões no Brasil e Uruguai à procura do melhor local. E
identificaram na Paraíba, próximo à cidade de Aguiar, a zona com o menor número
possível de interferências para a captação dos sinais.
"A região da Paraíba é limpa. Tem pouca contaminação de
rádio, de antenas. Todas as outras áreas que analisamos para essa frequência
são bem contaminadas, pois a banda que a gente opera é próxima à do 3G. Tem que
ser lugar que não tenha muita torre de celular, sinais de transponders de
avião, torres ou radares de controle de tráfego aéreo", conta Wuensche.
Um dos problemas da região da Paraíba que pode interferir na
qualidade das medições está na passagem de aviões pelo céu nordestino —rota
usada principalmente para voos com origem ou destino à Europa e à América do
Norte. De acordo com Wuensche, o software ajudará a limpar as frequências
emitidas por aviões, e a estimativa mais pessimista é que seja perdida uma hora
de dados por dia por causa disso.
Outro desafio a ser superado envolve o acesso ao local. O
terreno em que ele será construído não é alcançado por estradas, que deverão
ser abertas. A intenção inicial era que o Exército ajudasse nessa preparação,
com combustível e manutenção dos veículos pagos pelo projeto, mas não houve
acordo até o momento. Há conversas, agora, com o DER (Departamento de Estradas
e Rodagens) da Paraíba.