Imprensa nacional destaca: Padre usa a internet para denunciar o sofrimento causado pela seca no Nordeste
“Quando o jumento e o mandacaru começam
a morrer é sinal de que a coisa está feia." Para quem mora no Sul, como os
nordestinos muitas vezes se referem ao Sudeste brasileiro, essa afirmação pode
parecer um pouco sem sentido, mas quem vive no sertão sabe muito bem o que isso
representa.
Caso do autor da frase, o padre Djacy
Brasileiro, 47 anos, nascido e criado no Vale do Piancó, sertão da Paraíba, que
vem denunciando a seca que se abate sobre o povo do Nordeste.
Ele não fala no púlpito da paróquia de
Pedra Branca, cidade com pouco mais de 4 mil habitantes, localizada a 567
quilômetros da capital João Pessoa, onde é sacerdote.
Para clamar por socorro contra os
efeitos do que já é considerada a pior estiagem das das últimas quatro décadas,
padre Djacy tem feito uma peregrinação pelos locais mais atingidos pela falta de
chuvas. Tudo é registrado em fotos postadas nas redes sociais. Animais mortos, a
terra esturricada, a peleja para buscar água, a tristeza de quem está perdendo o
pouco que já tem. As imagens feitas pelo padre são comoventes e já rodaram o
mundo.
Muitas ilustram vídeos no Youtube de
lamento e denúncia contra a seca, que parece nunca ter solução. Nada escapa do
olhar do padre Djacy, defensor ferrenho da transposição do Rio São Francisco. A
obra começou a ser feita no governo Lula, mas devido a problemas com
empreiteiras, entraves no licenciamento ambiental e outras burocracias ela
caminha a passos lentos. Por isso, a luta do momento do padre Djacy é conseguir
uma audiência com a presidente Dilma Rousseff. Para ele, se Dilma não se
empenhar de verdade, "com o coração e o pulso firme", a transposição vai
continuar no papel.
Enquanto espera quem sabe um dia se
encontrar com a presidente, o padre tenta se aproximar de outras autoridades. No
final do ano passado, conseguiu uma audiência com o secretário nacional de
Irrigação do Ministério da Integração Nacional, Guilherme Orair, mas queria
mesmo era se encontrar com o titular da pasta, Fernando Bezerra. Quem
intermediou o encontro foi o ator José de Abreu, militante nas redes sociais e
recém-filiado ao PT. Abreu conheceu a história do padre por meio do Twitter e o
ajudou a conseguir a audiência, além de bancar do próprio bolso as passagens da
Paraíba ao Distrito Federal. Por meio das redes sociais já conseguiu também
doações da Alemanha para as vítimas da seca, além de hospedagem e tratamento em
São Paulo para um dos paroquianos dele.
"A cada dia que passa, a cada nova
seca, a situação é mais calamitosa, mais crítica, mais caótica. E para este ano
as perspectivas não são nada boas. Quase não choveu neste começo de ano e a água
que caiu não deu para encher os reservatórios e açudes. Nem os jumentos, animais
resistentes, símbolos da vida no sertão, estão aguentando", disse. Segundo o
religioso, o sertão virou um "verdadeiro céu aberto de animais mortos". Ele
enfatiza: "Os abutres fazem festas. É a festa da carniça".
Corrente Além da tentativa de conseguir
uma audiência com a presidente, padre Djacy encabeça uma campanha para arrecadar
donativos para as vítimas da seca. "Conseguimos no fim do ano umas três
toneladas de doações. Pode parecer muito, mas quando fomos distribuir acabou em
30 minutos." A entrega foi feita em Pedra Branca, onde fica a paróquia
dele.
Na Paraíba, lideranças políticas
lançaram no início do ano uma campanha batizada de SOS Seca. Padre Djacy era um
dos convidados do evento, mas não conseguiu discursar. "Imagine lançar uma
campanha contra a seca no hotel mais luxuoso da Paraíba, com uma festa que
consumiu muitos recursos. Ficava só pensando o que podia ser feito com o gasto
daquela festança", critica ele, que não mede palavras para reclamar das ações de
combate à seca e do tratamento diferenciado que, segundo ele, é dado às
tragédias naturais no Sul e no Nordeste.
"As enchentes no Rio foram destaque em
todos os noticiários e o governo se apressou em ajudar. O Nordeste enfrenta, há
cerca de um ano, uma estiagem violenta e não há nenhuma comoção”, diz ele, um
crítico também das medidas adotadas pelos governos da Paraíba e federal de
socorro às vítimas da seca. “Até agora nem sequer uma feira do governo federal e
estadual chegou às mãos das vítimas da seca”, reclama.
Candidatura a
deputado
Na Paraíba, rolam boatos de que padre
Djacy prepara sua candidatura a deputado em 2014. Ele nega com veemência. "Os
críticos dizem que vou ser candidato, que estou apenas conquistando eleitores
antes de disputar algum cargo. Não há nada disso. Não sou filiado a partido, não
tenho essa intenção. Estou nessa luta desde 1994 e nunca me candidatei. É que
com as redes sociais a minha voz passou a ser mais ouvida. E isso incomoda",
acredita.
Padre Djacy também lançou no ano
passado, antes do início oficial da campanha, uma cartilha de orientação para o
eleitor sertanejo. Nela, o sacerdote chama políticos de urubus e carniceiros e
alerta: "Vender voto leva para a cadeia e o inferno". A revolta do padre é
contra a exploração eleitoreira dos efeitos da seca. Nessa pregação conta com um
aliado de peso: o delegado da Polícia Federal que cuidou das investigações de
crimes eleitorais na Paraíba, Derly Brasileiro, um de seus sete irmãos. "A
indústria da seca que vai abastecer as eleições de 2014 já está a todo o vapor,
com a distribuição de benesses para a população, abandonada assim que as urnas
são abertas", denuncia.
20 milhões de
atingidos
É assustador o relato do deputado
federal Ruy Carneiro (PSDB-PB) sobre a seca do Nordeste, a “maior e mais
devastadora seca dos últimos 40 anos, uma das mais inclementes de todas as 73 já
registradas na região, desde 1559”. Segundo ele, no ano passado, pela primeira
vez desde 1912 deixou de chover entre março, abril, maio e junho. “No semiárido
dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Bahia e no Norte de Minas, 1.046 municípios estão em estado de
emergência, com mais de 20 milhões de nordestinos atingidos pela seca”,
destaca.
De acordo com o parlamentar, hoje o
sertanejo tem que optar entre comer e beber água. Para matar a sede, as famílias
têm de desembolsar para uma “carrada de água” entre R$ 100 e R$ 150. “Mais do
que o repasse mensal da bolsa estiagem enviada pelo governo.” Ele cita ainda
perdas de cerca de 80% da produção agrícola e redução pela metade do rebanho,
pois nesta estiagem os agricultores não puderam nem contar com a palma
forrageira, usada para alimentar o gado, pois sua plantação foi quase toda
destruída pela praga da cochonilha do carmim. De acordo com ele, o Ministério da
Integração estima prejuízos da ordem de R$ 16 bilhões em todo o Nordeste por
causa da estiagem.
Para piorar a situação, meteorologistas
de 17 instituições públicas de pesquisas, controle e gerenciamento de águas,
reunidos em Campina Grande (PB) em dezembro, afirmaram que as chuvas este ano
serão irregulares e abaixo das médias históricas e insuficientes para a
recuperação das reservas hídricas. “Estamos entrando num ciclo muito próximo do
ciclo dos anos 50, marcado por grandes secas”, alerta.
Fonte:
www.em.com.br