Campanha por um hospital infantil no Vale: documento será entregue pessoalmente ao governador

Nos últimos dez anos, centenas de crianças morreram no Vale por falta de atendimento especializado.

A Fundação José Francisco de Sousa, entidade humanitária e educacional, mantida pelo jornal Folha do Vale, está mobilizando a região, desde o final do ano passado, em um abaixo-assinado pela construção de um hospital infantil no Vale e melhoria das condições de atendimento nas salas de maternidade regionais.

Essa campanha é uma tentativa de sensibilizar o governo para um grave problema da região e que já custou a vida de centenas de meninos e meninas nos últimos dez anos: o Vale tem 35 mil crianças e nenhum leito pediátrico. Sem atendimento especializado quando adoece, nossa infância, especialmente a pobre, maioria, é levada para um hospital geral e nem sempre sai viva de lá, e quando sai, transferida para Patos ou Campina, é em situação delicada de saúde.

Somente entre outubro do ano passado e janeiro deste ano, oito crianças de Itaporanga perderam a vida, a maior parte por falta de atendimento especializado. Isso sem contar o número de óbitos infantis nos demais municípios regionais. Quase todas essas crianças fizeram o mesmo itinerário até a morte: internadas no hospital de Itaporanga, tiveram seu quadro clínico agravado e foram transferidas para Patos, onde já chegaram em estado terminal.

O hospital pediátrico mais próximo do Vale fica a 110 quilômetros de Itaporanga: é exatamente o infantil de Patos, que vive superlotado já em função da demanda que recebe da região piancoense e da área de Princesa Isabel. Há nove anos, o jornal Folha do Vale cobra uma providência das autoridades, mas até aqui nada foi feito, o que motivou a Fundação a mobilizar a sociedade em um documento reivindicatório de endosso coletivo.

As assinaturas estão sendo recolhidas em toda a região e o documento será entregue pessoalmente ao governador Ricardo Coutinho quando de sua primeira visita ao Vale.

Vejam duas matérias publicadas no jornal Folha do Vale sobre o problema: a primeira no dia 28 de dezembro do ano passado e a segunda no dia 25 janeiro deste ano.


Falta de um hospital infantil tem custado a vida de muitas crianças

A saúde pública do Vale nunca prestou, e o que era ruim parece que está ficando cada vez pior: postos do programa Saúde da Família com atendimentos falhos e questionáveis e hospitais (Itaporanga, Piancó, Conceição e Coremas) que se transformaram em meros centros de transferências de enfermos para Patos e Campina Grande. E muitos desses pacientes já saem daqui com um pé na cova por falta de assistência médica apropriada.

Essa precariedade dos serviços de saúde atinge, principalmente, a população pobre, maioria nesta região, que tem 20 municípios e 155 mil pessoas. E as maiores vítimas têm sido as crianças por falta de atendimento especializado: sem nenhum leito pediátrico, nossa infância está pagando com a própria vida a omissão dos ditos ou malditos líderes políticos regionais, muitos deles médicos. “Os políticos preferem comprar uma ambulância para transportar doente daqui para Patos ou João Pessoa para que o pobre fique devendo o favor da viagem do que construir ou dar condição a um hospital para atender bem a todo mundo, e no caso da criança, a coisa é ainda pior porque menino não vota”: é o que costuma comentar o pediatra itaporanguense Paulo Soares. Dr. Paulo fala com a autoridade de quem já salvou incontáveis crianças na região, mas a falta de um hospital pediátrico no Vale desestimula e dificulta o trabalho dos pouquíssimos médicos infantis que atuam por aqui. Mas os problemas começam mesmo antes da criança nascer: as salas de maternidade dos hospitais do Vale não têm cirurgiões nem anestesistas permanentes; faltam também pediatras, obstetras e equipamentos.

E muitas das crianças que começam nascer por aqui terminam nascendo ou morrendo em Patos, cujos hospitais infantil, maternidade e regional já não cabem mais ninguém, a não ser os pacientes dos consultórios particulares que, pagando caro, terminam seu tratamento dentro de um leito público por obra, graça e influência do seu médico privado. São cerca de 36 mil meninos e meninas no Vale, mas a região nunca teve nenhum hospital infantil e essa omissão política tem custado a vida de muitas crianças. Somente em Itaporanga, no período de apenas um mês e meio, de 26 de outubro a 11 de dezembro, seis menores morreram, cinco dos quais depois de passarem pelo hospital local. Esses números já são suficientemente trágicos, mas, certamente, refletem apenas um pedaço do problema, que é a grande mortandade infantil nesta região. Se foram consideradas as mortes de crianças ocorridas ao longo desta década em todos os municípios regionais, vamos chegar a um resultado catastrófico. Mortes que poderiam ter sido evitadas ou expressivamente reduzidas se tivéssemos uma estrutura hospitalar especializada.

Vejam os casos só no período de 46 dias

Talita Trajano Gouveia Alves, de 1 ano e 2 meses, morreu no dia 26 de outubro passado por infecção generalizada, proveniente, supostamente, de uma hepatite. A criança foi levada para o hospital de Itaporanga apresentando febre alta e olhos amarelados, conforme sua mãe Maria Eduarda Trajano Alves, que reside no loteamento Balduino de Carvalho. Sem melhoras no seu quadro clínico, a criança foi transferida para João Pessoa e lá já chegou em situação delicada.

“Eu tenho mais dois filhos: ela era a mais nova”, disse a mãe ainda muito abalada. No dia primeiro de dezembro mais uma criança perdeu a vida: Yasmin Henrique da Silva tinha apenas seis meses e apresentava dificuldade de respirar quando foi levada para o hospital de Itaporanga, mas a situação da criança ficou ainda pior depois de três dias internada e ela teve que ser transferida para o hospital infantil de Patos, onde faleceu. “Me disseram aqui que ela tinha um sopro no coração e lá em Patos foi descoberto que ela tinha asma”, comenta a mãe, Maria de Lourdes Henrique da Silva, que mora no conjunto Chagas Soares. Era mãe pela primeira vez, mas a felicidade durou pouco.

Um dia depois, 2 de dezembro, mais uma criança itaporanguense morreu dentro do hospital infantil patoense para onde havia sido levada na véspera: Wellington Figueiredo Leite, de 11 anos, faleceu, segundo o atestado de óbito, em razão de edema pulmonar e cardiopatia. O menino adoeceu no dia primeiro de dezembro e foi levado para o hospital de Itaporanga, mas, como o hospital local não tem estrutura médica e material para casos mais complexos, especialmente envolvendo crianças, Wellington foi transferido para Patos e não resistiu, morrendo horas depois. Filho da comerciaria Luciana Leite da Silva e de Antônio Carlos Figueiredo, conhecido como Carlinhos, do Jenipapo, o menino fazia o 6º ano no Colégio Batista de Itaporanga e era um garoto inteligente e muito dedicado aos estudos, conforme seus familiares. Os pais de Wellington são separados. Carlinhos estava há três meses em São Paulo e veio para o sepultamento do filho, que vivia com a mãe. O casal ficou agora apenas com uma filha, também menor.

A alegria da maternidade também foi efêmera na vida da dona de casa Renata Lucas, moradora da Vila Mocó. Depois de várias tentativas de ter um filho frustradas por abortos involuntários, ela, finalmente, conseguiu realizar o seu maior sonho, que depois se transformaria em pesadelo para o resto da vida. No dia 7 de dezembro, seu único filho, José Rafael Eufrazino da Silva, de um ano e dois meses, também morreu dentro do hospital infantil patoense depois de passar pelo hospital de Itaporanga, onde foi internado com vômito e febre. “Aqui no hospital de Itaporanga foi diagnosticado pneumonia e ele tomou remédio para essa doença, mas não melhorou, sendo obrigado a gente transferir ele para Patos, mas não houve jeito”, comenta a mãe. A criança faleceu devido a uma infecção generalizada.

No dia 11 de dezembro, luto na casa de mais uma família local: Francisco Lucas de Figueiredo dos Santos, de apenas 6 anos, despediuse da vida. O menino estava em tratamento contra uma leucemia desde o terceiro ano de vida. De 2009 até setembro deste ano, o garoto estava bem, levando uma vida normal e até estudando: era aluno de Tia Laura. Parecia que estava recuperado, mas a recaída foi fatal. Francisco Lucas é filho do casal Maria Zuleide Soares de Figueiredo e Juclean dos Santos, conhecido como Mago Motos, que têm mais dois filhos e residem na Rua 13 de Maio. Conforme a mãe, os primeiros sintomas apresentados pela criança foram pintas pelo corpo, palidez e febre. A primeira consulta foi em um posto do PSF de Itaporanga: o médico diagnosticou verminose e prescreveu um medicamento, mas o remédio agravou a febre do menino. Vendo o filho cada dia mais doente, Maria Zuleide levou o garoto para um laboratório de análises clínicas da cidade, onde foi constatada a leucemia. Começava ali uma corrida da família contra a morte: uma luta que durou três anos e, apesar de todo o sacrifício e sofrimento, terminou sem êxito. Francisco Lucas morreu no hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, para onde foi levado por falta de atendimento apropriado por aqui, mas foi sepultado em Itaporanga. “No caso do meu filho, ele recebeu toda assistência possível, mas, por outros casos que a gente vê por aí, parece que a saúde pública está ficando pior”, comenta a mãe.

Entre todos os casos, um teve grande repercussão popular pelas circunstâncias em que ocorreu: no começo da tarde de 21 de novembro, o garoto Renan Florêncio, de 9 anos, foi retirado inconsciente, mas ainda com sinais vitais, de dentro de uma piscina do BNB Clube de Itaporanga e levado para o hospital local, onde faleceu. Uma parada cardíaca foi atestada como a causa da morte do estudante do Ginásio Diocesano e filho único de Jocelma Nunes Florêncio, que reside em uma travessa no final da Rua Santo Antônio. Um outro caso também de grande repercussão foi da menina Maria Alice, de 4 anos. Moradora da Avenida Sólon de Lucena, centro de Conceição, a criança foi atingida pela queda de um muro nas proximidades de sua casa na noite de 31 de outubro. Levada às pressas para o hospital conceiçoense, terminou morrendo.

Omissão política que custa vida

Sem dúvidas, pelo menos grande parte das mortes infantis registradas nesta região anualmente seria evitada se o Vale tivesse uma estrutura hospitalar voltada à criança. Um hospital que contasse com especialistas e equipamentos pediátricos. Um diagnóstico rápido e o tratamento imediato são essenciais para salvar vida, principalmente da criança, um ser ainda em formação física, o que o torna fragilizado e suscetível a inúmeras enfermidades.

O problema agrava-se ainda mais quando se trata de recém-nascido ou criança muito pequena: sem o domínio da fala, não sabe dizer o que sente e o diagnóstico passa a depender de um exame pelo qual a família, muitas vezes, não pode pagar e nem sempre está disponível na rede pública. E mesmo quando a rede pública dispõe é demorado e de qualidade duvidosa. Hoje em Itaporanga e demais cidades do Vale quando uma criança adoece, os pais levam-na para um hospital ou para um posto médico, onde geralmente encontram apenas clínicos gerais. Sem os olhos e conhecimentos apurados de um pediatra, os clínicos nem sempre fazem um diagnóstico correto, principalmente porque muitos deles entopem a criança de remédio sem a preocupação de requerer um exame para antes saber, com precisão, qual é a enfermidade do paciente.

As crianças vítimas de traumas provocados por acidentes ou violência também não têm assistência: faltam ortopedistas e cirurgiões. Muitas vezes faltam exames até mais simples. Uma prova disso é o caso de uma criança, de apenas 4 anos, vítima de violência sexual em um bairro de Itaporanga. O fato foi no dia 23 de novembro, e sentindo fortes dores abdominais, a criança precisava de uma ultrassonografia, mas só foi conseguir o exame um mês depois graças à intervenção de populares junto à Secretaria Municipal de Saúde.

A precariedade que vive a saúde pública, especialmente quando se trata da infância, é resultado de uma omissão política histórica. Nunca foi prioridade das grandes lideranças políticas regionais investir em um projeto médico capaz de evitar todo o drama que esta região vive e sempre viveu com tantas mortes por negligência, imperícia ou falta de estrutura hospitalar. Como protesto contra toda essa omissão e também contribuindo para sensibilizar as autoridades, a Fundação José Francisco de Sousa vai correr um abaixo-assinado por todo o Vale. O documento, denunciando o problema e reivindicando uma solução, será entregue aos governos estadual e federal e municipais.

Itaporanga: mais duas crianças mortas. Já são oito em 75 dias

Mais duas crianças de Itaporanga deram adeus à vida de forma prematura e comovente, uma delas por pura negligência: a menina Lorrane Ferreira da Silva (foto), de apenas 5 meses, penou durante uma semana com idas e vindas ao hospital local e, quando foi transferida para Patos, já chegou lá em estado terminal.

A menina morreu no dia 9 de janeiro, quando a cidade estava em festa: comemorava seus 146 anos, mas foi um dia de luto e tristeza para Auricélia Miguel da Silva, mãe da criança. A família reside no loteamento Balduino de Carvalho e está revoltada com o hospital de Itaporanga. “Eu estou muito revoltada com o que fizeram com minha filha: eles mataram minha filha”, comenta a mãe, ao informar que a menina chegou ao hospital local com sintomas de problemas intestinais, mas morreu devido a uma suposta pneumonia, conforme atestado de óbito do hospital patoense.

A menina foi levada ao hospital de Itaponga seis dias antes: conforme a mãe, ela estava com fortes dores abdominais e privada. Pressentindo que a filha não estava bem, a mãe insistiu que a criança fosse encaminhada para Patos, mas o médico alegou que não havia necessidade e mandou a menina de volta para casa depois de aplicar-lhe um soro, comprado, inclusive, pela própria mãe porque o hospital não tinha o medicamento.

Horas depois, o quadro clínico da criança piorou e ela foi levada novamente ao hospital e, novamente, mandada para casa, e “foi assim durante toda a semana, até o sábado (8 de janeiro): quando ela não tinha mais jeito é que foi transferida para Patos e, no outro dia, morreu, e os médicos disseram que foi de pneumonia”, comenta emocionada Auricélia, que também é mãe de um filho.

Sem um hospital infantil no Vale, centenas de crianças já morreram nos últimos anos na região, especialmente filhos de pessoas pobres. Diante desse quadro terrível, a Fundação José Francisco de Sousa está mobilizando a população regional em um abaixo-assinado solicitando a implantação de um hospital pediátrico e melhorias nas condições de atendimento das salas de maternidade. O documento será entregue pessoalmente ao governador Ricardo Coutinho até o final deste ano e também encaminhado ao Ministério da Saúde.

O outro caso

No final da segunda quinzena deste mês, mais uma criança local morreu no hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, vítima de leucemia. Foi a segunda morte por esta doença em um mês.

O menino chamava-se Antônio e era filho de Júlia, figura bem conhecida no meio da arte do Repente regional. Ela é de Santana dos Garrotes, mas tem residência em Itaporanga.

folhadovali.com.br

Um comentário:

  1. gente vamos da mais atençao para nossa crianças . isto ai e falta de respeito com a populaçao mais carente. e agora de quem e aresponsabilida?

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